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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Zé de Abreu e o cuspe: uma análise jurídica (e moral) da polêmica !

Z de Abreu e o cuspe uma anlise jurdica e moral da polmica
O presente artigo tem por objetivo analisar juridicamente, no âmbito penal e civil, bem como moralmente, a conduta do ator da Rede Globo de Televisão, José Pereira de Abreu Junior (Zé de Abreu), em razão do ocorrido ontem, sexta-feira (22/04), em um restaurante da capital paulista.
Segundo os relatos, Zé de Abreu estava com a esposa em um restaurante japonês, quando, por questões político-ideológicas, iniciou-se (ainda sem ser possível se determinar de qual dos lados) uma discussão com um outro casal, contrário ao partido que o ator apoia, o PT – Partido dos Trabalhadores.
Em um vídeo gravado por celular, que circula pelas redes sociais, é possível notar alguns pontos da discussão, que terminou com um cuspe disparado pelo ator, à centímetros de distância, contra o rosto da mulher e de seu marido, um advogado carioca.
Antes de adentrar no mérito do que foi dito na discussão, importante analisarmos o que pode, em tese, ser atribuído a conduta de cuspir em alguém, que foi adotada pelo ator.
O simples ato de cuspir em alguém não é considerado crime no ordenamento brasileiro.
Contudo, quando tal ato é realizado de forma proposital e acintosa, pode ser enquadrada tal conduta como Injúria, um dos crimes contra a honra previstos no artigo 140 do Código Penal.
No caso em tela, como as imagens confirmam que o cuspe foi disparado acintosamente pelo ator, na intenção de ofender a dignidade das vítimas, segundo a doutrina predominante, têm-se a configuração da Injúria Real, prevista no parágrafo 2º do supracitado artigo 140 do CP, uma vez que a prática se deu por meio de violência ou vias de fato, com a finalidade de humilhar ou zombar, devendo, ainda, ser considerada a causa de aumento de pena em um terço, do artigo 141, inciso III, que assim prevê para hipótese de o crime ser praticado “na presença de várias pessoas”.
No entanto, para que seja possível uma melhor análise do ocorrido, faz-se necessário agora analisarmos, sumariamente, com as limitações que são impostas pela qualidade do áudio e vídeo existentes, o que foi dito por ambos os lados durante e após a discussão.
No clímax da conversa, pode-se ouvir o ator Zé de Abreu questionando ao outro homem:
- O que é que você quer, ô coxinha? Fala aí, fala alto aí o que é que você quer? Levanta, fala aí.
Em meio à desordem, o outro homem, um advogado carioca, então lhe responde:
- Eu trabalho – sendo, então, interpelado pelo ator na sequência:
- Você trabalha em quê?
Advêm-se a resposta do homem:
- Eu sou advogado, eu trabalho...[parte indeterminável pelo áudio gravado]... Eu não sou um safado, malandro, que vive ‘na’ Lei Rouanet... Que vive ‘na’ Lei Rouanet.
Acreditando que a fala foi proferida contra a sua pessoa o ator se altera e grita:
- E eu sou?! Fala aí. Eu nunca vi lei Rouanet, ô babaca...” – disparando, na sequência, o cuspe no rosto da esposa do advogado e, posteriormente, do próprio.
Após isso, o advogado se levanta e os funcionários do restaurante se posicionam entre ambos, impedindo que se inicie a iminente agressão física.
Muitos palavrões e ofensas são proferidas pelo advogado contra o ator, que, aproveita proximidade da esposa do advogado, que permaneceu sentada, e cospe novamente no rosto da mesma.
Apesar de o ator também avançar contra o homem pedindo, em determinado momento, “bate em mim”, os funcionários do restaurante conseguem manter ambos separados e, aparentemente, conduzem Zé de Abreu para fora do local.
Analisando todos os momentos gravados da discussão, é possível determinar que a primeira ofensa grave, feita de forma direta – já que o advogado não mencionou diretamente que se referia ao ator, quanto a fala sobre a Lei Rouanet –, que configura crime, foi proferida pelo ator, ao cuspir no rosto da mulher e do homem.
Ocorre que, posteriormente, o advogado disferiu diversas ofensas e palavras de baixo calão contra o ator.
A atitude do advogado, portanto, constituiu-se em uma retorsão imediata, que consiste, basicamente, em proferir uma injúria após ser injuriado.
Em tal hipótese, nos termos do inciso II do parágrafo primeiro, novamente do artigo 140 do CP, admite-se que o juiz deixe de aplicar a pena ao primeiro injuriador, em razão da respostaincontinenti (imediata) do injuriado, que consistiu em outra injúria.
Sendo assim, num primeiro momento, pode-se dizer que, no provável caso de o advogado e a esposa apresentarem queixa-crime contra o ator em razão da discussão, apesar de, esquivamente, poder ser alegada a hipótese de inaplicabilidade da pena em detrimento de uma possível “provocação direta da injúria pelo ofendido”, conforme se encontra previsto no artigo 140, parágrafo primeiro, inciso I do CP, provavelmente a principal tese de defesa do ator Zé de Abreu será a figura da retorsão imediata, que faculta ao juiz a aplicação da pena prevista pelo crime de Injúria Real, que é de “detenção, de três meses a um ano e multa” (artigo 140parágrafo 2ºCP), mais o acréscimo de um terço em razão da pluralidade de presenciadores do crime, conforme já explicado (artigo 141IIICP).
Outrossim, em razão deste ocorrido, no âmbito civil, poderá o casal propor ação de reparação por danos morais, alegando o atentado a sua honra.
Este processo de responsabilização civil, apesar de completamente independente do criminal, pode resultar em improcedência, caso pese e prevaleça na instância criminal a tese supracitada da retorsão.
Contudo, importantíssimo salientar que, tanto na responsabilização criminal, quanto na civil, pesará maiormente a análise gradual da situação pelo magistrado, sopesando o grau das condutas de ambos os lados.
Prova disso é a decisão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que em 2009 condenou o ator Raul Gazolla a indenizar em R$ 8.000,00 (oito mil reais) a estudante Kiane Kelnel Netto, em quem cuspiu após um incidente de trânsito.
No caso, ocorrido em 2007, a jovem atravessava a rua quando quase foi atingida pelo carro do ator. A estudante reclamou da atitude e mostrou o dedo do meio ao ator, que, por sua vez, desceu do carro e, na porta da escola da jovem, xingou-a e cuspiu em seu rosto, diante dos amigos da mesma.
Em seu voto, o relator do processo, desembargador Ronaldo Lopes Martins, destacou que, apesar de a atitude da jovem ter demonstrado que a mesma “passou dos limites”, a humilhação gerada pela conduta do ator ultrapassou e muito a normalidade, pois, de acordo com as próprias palavras do desembargador “quem pode imaginar que, após um mero desentendimento no trânsito, pode ser abordado e agredido com ‘cuspidas’ em seu rosto?".
Ainda segundo o relator, ninguém espera uma atitude dessa monta, em especial vindo de um homem de uma classe social elevada e notoriamente conhecido.
Ou seja, conforme o caso acima, apesar de ter havido uma ofensa preliminar por parte da jovem, através de um gesto que culturalmente tem um viés ofensivo, a conduta posterior do ator foi considerada deveras mais gravosa, ocasionando humilhação superior àquela provocada pela atitude da estudante.
Desta feita, conclui-se, sob a ótica jurídica, que apenas uma análise mais minuciosa do caso envolvendo o ator Zé de Abreu e o casal, o que certamente se dará por meio da instauração de processo, que será acrescido de mais informações, como a de testemunhas, por exemplo, será possível determinar se haverá ou não a aplicação de penalidade ou responsabilização para quaisquer dos lados, bem como qual será a sua extensão.
Porém, sob o ponto de vista moral, concluo, de maneira pessoal, que é inaceitável e que nada justifica alguém disferir (ou receber) uma cusparada na face. Sequer por ocasião de uma possível ofensa verbal sofrida.
Muito além de sopesar o fato de que vivemos em uma sociedade evoluída e que requer, cada vez mais, a aceitação da pluralidade de ideologias, raças e culturas, ou de que a nossa liberdade, constitucionalmente garantida, limita-se na do próximo, importante frisar que tal ato constitui uma tremenda falta de educação ao nosso semelhante.
No passado, andou sobre a Terra um homem que, apanhando muito, enquanto também cuspiam em sua face de forma zombeteira, rumou para a crucificação: Jesus Cristo.
O mesmo Cristo utilizou o cuspe apenas para o bem, curando, com o lodo feito de sua saliva, um cego de nascença (João, 9:6,7).
Vítimas ou não de um crime, nesse aspecto, aprendamos com o Mestre.
Observações:
Obs¹: Agravando, de certo modo, a conduta do ator, têm-se o fato de que, posteriormente ao ocorrido no restaurante da capital paulista, o mesmo utilizou a sua conta na rede social Twitter para:
a) confessar o ocorrido, relatando uma possível frase que teria sido dita pelo advogado e motivado a discussão, sendo esta: “vota no PT e vem comer no japonês!”, o que, juridicamente, por si só, não constitui ofensa ou configuração clara da escusa de aplicação de pena prevista no inciso I, parágrafo primeiro, artigo 140 do CP(quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria);
b) atribuir ao casal envolvido na confusão palavras como “covardes fascistas”, “idiota” e “babaca”, o que, por sua vez, dá embasamento para reforçar a configuração do crime de Injúria, neste ponto, em sua forma simples (caput do artigo 140), observada a hipótese de aumento de pena em um terço, em razão do crime ter sido cometido “por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria”, nos termos do artigo 141, inciso III do CP;
c) disseminar frases como a da publicação em que diz que “Fascistas merecem cusparada na cara. Nada mais que isso!”, fato este que, mesmo que subjetivamente, complica sua situação nos prováveis processos em que será réu, em especial por não ser possível identificar por parte do outro casal, ao menos no áudio do vídeo gravado, qualquer dos xingamentos preliminares que o ator diz na rede social que ele e a esposa receberam.
Obs²: O crime de injúria, ao contrário do de calúnia e difamação, não admite retratação, o que impossibilita a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, inciso VI do Código Penal.
FONTES:
DAUN, Camila, Análise dos crimes contra a honra(http://cdaun.jusbrasil.com.br/artigos/188045708/analise-dos-crimes-contraahonra - Acesso em 23/04/2016)
PALERMO, Paloma, Calúnia, Difamação e Injúria: considerações sobre os crimes contra a honra(http://palomapalermo.jusbrasil.com.br/artigos/167022393/calunia-difamacaoeinjuria-consideracoes-acerca-dos-crimes-contraahonra - Acesso em 23/04/2016)

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